Trabalho não é cargo 20/05/2025

Trabalho não é cargo

Por João Guardini

Tarefas, funções, responsabilidades são algumas das palavras que coloquialmente podemos escolher para se referir ao pacote predeterminado de atividades a serem cumpridas em dada função, mas infelizmente, tudo isso não abarca completamente o que falamos quando falamos a respeito de trabalho.

De forma sintética, deveríamos encarar trabalho como sendo seu contexto: suas relações em um ecossistema de interações interpessoais, institucionais e sociais. Trabalho, enquanto prática, visa produzir mudanças substanciais para a comunidade em que ocorre, mas está constantemente sob revisão, uma vez que vivemos em um mundo dinâmico. Além das mudanças temporais e materiais a qual todos estamos sujeitos, os produtos exigidos de nossa labuta afetam o próprio contexto em que são produzidos, tornando o reconhecimento desse ciclo de auto interferência importantíssimo no desenvolvimento de práticas de trabalho eficazes frente a seus objetivos. O mundo nos muda e mudamos o mundo e o mundo nos muda e mudamos o mundo... Desenvolver, reavaliar e sustentar modelos da realidade que abarquem este princípio é fundamental para qualquer empreitada que valorize a dignidade da inteligência humana.

Enquanto profissão, o psicólogo frequentemente é mal interpretado ou visto de forma abstraída. Essa confusão é facilmente exemplificada com como frequentemente a profissão é vista como apenas um profissional da saúde ou (quando esotericamente definido) "conhecedor da psiquê humana". Durante sua educação e carreira, o psicólogo desenvolve repertórios especializados para interpretação, avaliação e intervenção nos sistemas supracitados: sistemas contextuais dos quais desenvolvemos modelos da realidade, dando ênfase nos aspectos que mais diretamente interagem com o comportamento humano, sejam internos ou externos ao corpo.

Ser psicólogo, portanto, demanda uma atenção especial aos fenômenos do quotidiano, do prosaico e do ritualístico, tanto quanto demanda de outros mais prestigiados e fundantes. Um bom trabalho não trata-se apenas do domínio da ferramenta teórica (imprescindível, diga-se de passagem), mas também da capacidade de articular observações de diferentes contextos de modo a atualizar tais modelos de realidade para formas mais valorizadas por sua comunidade. Por isso, para ser um bom psicólogo é necessário um estudo continuado da arte, história, cultura, ciências naturais, sociais e aplicadas. A empatia encontra-se na intersecção entre o que você viveu e o que você sabe que jamais viverá. Ser psicólogo é a humildade investigativa instrumentalizada com um pouco da pretensão de se achar capaz de contribuir para um mundo mais humano.

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