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Estresse: Fator de Risco (e de Potencialização) para a aprendizagem
Estresse: Fator de Risco (e de Potencialização) para a aprendizagem
A palavra “estresse” costuma ser usada para descrever experiências negativas, desgastantes ou que geram desconforto físico e emocional. No entanto, nas últimas décadas, a neurociência tem se debruçado sobre os efeitos do estresse sobre os processos cognitivos, especialmente sobre a memória e a aprendizagem. E, ao contrário do que se costuma imaginar, os efeitos do estresse não são unicamente prejudiciais. A depender de alguns fatores — como o momento em que ocorre, o tipo de estressor e as condições do indivíduo — o estresse pode tanto prejudicar quanto favorecer o aprendizado.
Esse entendimento mais refinado decorre da observação de que nem todas as situações de estresse produzem os mesmos resultados sobre o cérebro e o comportamento. Em algumas condições, indivíduos apresentam melhor desempenho em tarefas cognitivas sob estresse. Em outras, há piora significativa. Para entender por que isso acontece, é necessário observar o funcionamento neurobiológico do estresse e como ele interage com os sistemas de aprendizagem e memória.
O que acontece no cérebro durante o estresse?
O estresse ativa dois sistemas principais no organismo: o sistema nervoso autônomo e o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (ou eixo HPA). O primeiro promove reações rápidas de alerta e atenção, por meio da liberação de adrenalina e noradrenalina. Já o segundo promove a liberação de corticosteroides (como o cortisol nos humanos e a corticosterona nos roedores), que têm efeitos mais duradouros e reguladores sobre o organismo e o cérebro.
Esses hormônios e neurotransmissores atuam diretamente em regiões cerebrais envolvidas na regulação emocional, no controle executivo e na formação de memórias — como a amígdala, o hipocampo e o córtex pré-frontal. Essas estruturas, ao serem ativadas em conjunto durante situações estressantes, passam a funcionar de forma mais integrada, o que pode facilitar a consolidação de memórias ligadas ao evento ocorrido.
Contudo, essa facilitação depende de dois aspectos fundamentais: o momento em que o estresse ocorre em relação ao evento que precisa ser aprendido (convergência temporal) e o grau de sobreposição entre os sistemas neurais ativados pelo estresse e os ativados pela tarefa cognitiva (convergência espacial).
A literatura mostra que o estresse pode favorecer a consolidação da memória quando ocorre durante ou imediatamente após a experiência que precisa ser lembrada. Nesses casos, os hormônios liberados pelo estresse atuam nas mesmas regiões cerebrais envolvidas no aprendizado, potencializando a fixação da informação.
Em contrapartida, se o estresse ocorrer muito antes da tarefa, os efeitos podem ser inversos. Isso acontece porque o cortisol, ao longo do tempo, promove alterações nos circuitos neurais que elevam o limiar para a entrada de novas informações. Ou seja, o sistema se torna menos sensível a estímulos posteriores, dificultando o aprendizado. Esse processo tem sido descrito como um mecanismo de “metaplasticidade”, que ajusta a capacidade do cérebro de se modificar a partir da experiência — favorecendo o que é mais relevante naquele momento e inibindo conteúdos que cheguem depois, por exemplo.
Portanto, o estresse pode ter efeito benéfico sobre a aprendizagem, mas apenas se ocorrer em sincronia com a experiência que se pretende memorizar. Fora desse intervalo, o efeito tende a ser neutro ou prejudicial.
Outro fator importante é a natureza do conteúdo a ser aprendido e o tipo de estressor envolvido. Por exemplo, estressores físicos intensos podem ativar circuitos diferentes daqueles envolvidos na aprendizagem de conteúdos verbais ou conceituais. Da mesma forma, eventos emocionalmente significativos ativam fortemente a amígdala, estrutura envolvida no processamento de emoções, especialmente as negativas, como medo.
Estudos demonstram que o estresse potencializa a memória de informações que têm valor emocional ou que são percebidas como relevantes para a sobrevivência, especialmente quando há coincidência entre os sistemas ativados pela emoção e aqueles envolvidos na tarefa de aprendizagem. Esse princípio é conhecido como “convergência espacial”: quando os hormônios do estresse atuam nos mesmos circuitos ativados pela experiência de aprendizagem, há favorecimento da memória.
Isso pode explicar por que pessoas costumam se lembrar vividamente de momentos emocionalmente carregados, mesmo com detalhes sutis. Em contrapartida, conteúdos neutros ou desconectados do evento estressor tendem a não ser beneficiados — e, em alguns casos, podem até ser suprimidos da memória.
Grande parte dos efeitos benéficos do estresse sobre a aprendizagem está associada a situações pontuais, de curta duração e com intensidade moderada. Quando o estresse se torna crônico, os efeitos passam a ser amplamente deletérios. A exposição prolongada ao cortisol pode levar a alterações estruturais no cérebro, como atrofia dendrítica no hipocampo, redução da neurogênese e diminuição da plasticidade sináptica. Isso compromete não apenas a memória, mas também outras funções cognitivas, como a atenção e a tomada de decisão.
Além disso, o estresse crônico está associado a transtornos como depressão, ansiedade generalizada e síndrome do pânico, nos quais o desempenho cognitivo é significativamente afetado. Portanto, é importante diferenciar o estresse adaptativo, que prepara o organismo para lidar com desafios pontuais, do estresse patológico, que desgasta o sistema a longo prazo.
Possíveis implicações
Compreender como o estresse influencia a aprendizagem tem implicações diretas para a educação e para intervenções clínicas. No ambiente escolar, por exemplo, é importante considerar que avaliações, exposições públicas e conflitos interpessoais podem ser percebidos como estressores pelos alunos. Quando bem dosadas e contextualizadas, essas situações podem favorecer o engajamento e a memorização. Mas, se forem excessivas ou mal conduzidas, podem gerar bloqueios e desmotivação.
Na clínica, esse conhecimento ajuda a compreender por que certas memórias traumáticas se tornam tão persistentes — como ocorre no transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Em pessoas com TEPT, observa-se uma combinação de alta ativação autonômica e baixa liberação de cortisol, o que prejudica o processo de "normalização" dos circuitos envolvidos, dificultando a extinção de respostas emocionais associadas ao trauma. Algumas abordagens terapêuticas têm explorado, inclusive, o uso controlado de cortisol para facilitar a reestruturação dessas memórias.
O estresse é um componente inevitável da vida cotidiana e exerce papel importante na forma como aprendemos e lembramos dos eventos. Seu impacto sobre a memória depende de variáveis como tempo, intensidade, conteúdo emocional e estado geral do organismo. Quando bem regulado e contextualizado, o estresse pode aprimorar processos de atenção, foco e consolidação da memória. No entanto, em excesso ou fora de sincronia com as demandas cognitivas, ele tende a comprometer o desempenho.
Conhecer essas dinâmicas permite promover ambientes de aprendizagem mais sensíveis às necessidades dos indivíduos, além de fundamentar práticas clínicas voltadas à regulação emocional e à reabilitação da memória. Ao invés de simplesmente evitar o estresse, o mais eficaz pode ser aprender a manejá-lo — de modo que ele se torne um aliado, e não um obstáculo, ao desenvolvimento cognitivo.
Dr. André Connor de Méo Luiz - PDI Instituto Continuum
Texto baseado no artigo: *Learning under stress: how does it work? (Joels et al., 2006).*