Contextualismo Funcional. Temos novidades ou Skinner já tinha dado conta? 04/04/2025

Contextualismo Funcional. Temos novidades ou Skinner já tinha dado conta?

Por Pedro Conte
Revisão: André C. de Meo Luiz 

Um assunto relativamente comum na Análise do Comportamento é a “real” diferença entre o que se fala hoje em dia sobre comportamento humano e o que o próprio Skinner falava na época do desenvolvimento da área. Como Skinner produziu muito, e por muito tempo, nos deparamos com frequência com posicionamentos como: “Skinner já disse isso!”; “Você está querendo reinventar a roda!”; “Skinner não conseguiu deixar claro aquilo!” etc. Em meio a essas afirmações, encontramos um conceito amplamente utilizado nos modelos atuais de terapia comportamental, o Contextualismo Funcional. E a questão que trazemos aqui é: há realmente algo novo ou Skinner já havia apontado esse caminho?

No artigo que funda o Journal of Contextual Behavioral Science, talvez a mais importante revista de terapias contextuais do planeta, Hayes, Barnes-Holmes e Wilson (2012) afirmam que a filosofia de base da CBS (Ciência Comportamental Contextual) é o “contextualismo funcional”. Os autores afirmam que a CBS bebe das fontes do pragmatismo americano (leia-se Dewey, James, Pierce...) e de seu desenvolvimento posterior na análise do comportamento – realizado principalmente por Skinner. Os autores também citam um trabalho em que Hayes e colegas (1988) se debruçam sobre a obra de “World Hypotheses”, de Stephen C. Pepper (1942). É dessa obra da década de 1940 que sai o termo “contextualismo” como o temos utilizado.

Pepper, no livro World Hypotheses: A Study in Evidence (1942), introduziu o conceito de "world hypotheses" (hipóteses ou visões de mundo), sistemas filosóficos bem abrangentes que usamos para interpretar a realidade. Para Pepper, existem quatro principais visões de mundo e cada uma delas é um desdobramento de uma metáfora raiz – a chave para entender como percebemos e explicamos o mundo. São elas:

1. Formismo (Metáfora: Semelhança e Classificação)
o Explica o mundo por meio da categorização de fenômenos em padrões e formas imutáveis.
o Relaciona-se a abordagens essencialistas, como o pensamento de Platão e Aristóteles, e a sistemas psicológicos que buscam classificar traços fixos da personalidade e com o DSM.
o A Análise do Comportamento rejeita esse essencialismo, enfatizando a análise funcional do comportamento dentro de um contexto.


2. Mecanicismo (Metáfora: Máquina)
o Vê os fenômenos como sistemas mecânicos previsíveis, funcionando sob leis fixas de causa e efeito.
o Relaciona-se a abordagens como o behaviorismo clássico de Watson, que buscava explicações deterministas do comportamento baseadas em estímulo-resposta.
o Embora a Análise do Comportamento compartilhe o compromisso com a previsibilidade científica, Skinner rejeitou a ideia mecanicista cartesiana, enfatizando a seleção operante e a interação dinâmica entre organismo e ambiente.

3. Organicismo (Metáfora: Organismo em Crescimento)
o Considera a realidade como um processo evolutivo e interconectado, enfatizando o desenvolvimento e a totalidade.
o Relaciona-se a teorias psicológicas como a Psicologia Humanista e a Teoria do Desenvolvimento de Piaget.
o Diferentemente dessa visão, a Análise do Comportamento não adota uma perspectiva teleológica, mas sim uma abordagem selecionista, focando nas contingências ambientais e na seleção operante.

4. Contextualismo (Metáfora: Evento Histórico e Ação em Contexto)
o Enfatiza que a verdade e o significado dependem do contexto e da utilidade prática das ideias.
o Essa perspectiva está na base do pragmatismo de William James e John Dewey e foi incorporada ao Contextualismo Funcional.
o O Contextualismo Funcional compartilha com a Análise do Comportamento o compromisso com a previsão e influência do comportamento dentro do contexto, rejeitando explicações internalistas.

Segundo Pepper, qualquer sistema filosófico se enquadra em uma dessas quatro hipóteses de mundo ou é uma mistura confusa de várias delas.  O pragmatista americano não escreveu essas visões de mundo pensando na psicologia, mas elas têm implicações importantes para o campo, como vimos acima (veja mais no texto de Salazar e Ruiz, 2024).

Pepper detalha um pouco mais a proposta do contextualismo e a metáfora do “evento histórico”:
“Por evento histórico, contudo, o contextualista não quer dizer primariamente um acontecimento passado, que está, por assim dizer, morto e tem de ser exumado. Ele se refere ao evento vivo em seu presente. O que normalmente entendemos por história, diz ele, é uma tentativa de representar eventos, de torná-los de alguma forma vivos novamente. O verdadeiro evento histórico, o evento em sua atualidade, é quando está acontecendo agora, o evento dinâmico, dramático e ativo. Podemos chamá-lo de “ato”, se quisermos e se tomarmos cuidado com o uso do termo. Mas não é um ato concebido como único ou isolado, se é que queremos dizer; é um ato em e com seu cenário, um ato em seu contexto. (Pepper, 1942, p. 232, tradução livre).

Certo! Mas se essa visão de mundo já era a base do pensamento de Skinner, o que muda com as propostas de Hayes, Barnes Holmes e companhia? 

Steven C. Hayes e seus colaboradores defendem que o Contextualismo Funcional é uma extensão e refinamento do Contextualismo descrito por Pepper. Essa abordagem enfatiza os objetivos pragmáticos de prever e influenciar o comportamento humano com precisão, amplitude e profundidade. O pragmatismo do Contextualismo Funcional implica em assumir que uma explicação científica deve ser avaliada com base na sua utilidade para resolver problemas, em vez de sua conformidade com uma verdade absoluta. Hayes et al. diferenciam o Contextualismo Descritivo (focado na compreensão do todo) do Contextualismo Funcional, que busca ativamente intervir e modificar o comportamento de forma eficaz.

De acordo com Salazar e Ruiz (2024), no entanto, não há muuuita novidade aí. Para eles, o Contextualismo Funcional é uma evolução do pensamento skinneriano, destacando seu caráter pragmático, selecionista e interativo. Você concorda?

Fontes:
Pepper, S. C. (1942). World hypotheses: A study in evidence (Vol. 31). Univ of California Press.

Salazar, D. G., & Ruiz, F. J. (2024). El Contextualismo Funcional como raíz filosófica de la Terapia de Aceptación y Compromiso. International journal of psychology and psychological therapy, 24(2), 171-189.

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