E se um Chimpanzé fizesse o palográfico? 25/08/2025

E se um Chimpanzé fizesse o palográfico?

Todo mundo que tirou (ou tentou) tirar a carteira de habilitação teve que passar pelos fatídicos testes psicotécnicos. Dentre eles, o Palográfico (aquele dos pauzinhos). A ideia é que a partir dos traços realizados na folha, é possível identificar algumas questões relacionadas a sua personalidade. Se você se incomoda com isso, não está sozinho (a). Nós também! Mas a discussão não vai para esse lado.

Pense que a forma como você faz qualquer tipo de desenho hoje - até mesmo um traço simples - depende da sua história de vida nessa atividade. Portanto, depende de exposição, treino e uma série de consequências reforçadoras e punidoras. Então, uma pessoa pouquissimo exposta a desenhos poderia - talvez, né?! - ter um traço menos “crível” do que uma pessoa que vive desenhando por aí e tendo esse comportamento modelado. Enfim… aqui já vai uma crítica ao que eu disse que não ia falar. “É que me escapuliu”.

Retomando….

O mais interessante disso tudo, é que você nem precisa ser humano para aprender a fazer traços. E é sobre isso que eu quero falar.

Dois pesquisaores em 1996 ensinaram cimpanzés (SIM) a desenharem traços em uma tela sensível ao toque. E, sim, eles conseguiram fazer isso. Já pensou você competindo em uma vaga de emprego sabendo que sua aprovação dependenrá do Palogáfico e na outra sala há um dos Chimpanzés desse estudo? Eu ficaria nervoso…

A  fluidez dos traços feitos pelos Chimpanzés ao longo do estudo foi tanta que  - conta a lenda (na verdade no capítulo 1 do APA Handbook Vol 1 - um psicólogo renomado foi ao laboratório e viu o que os chimpanzés eram capazes de fazer e disse que “os pesquisadores estavam perdendo tempo, pois era obvio que os cimpanzes já eram capazes de fazer esses traços porquê não havia como um comportamento tão refinado ter sido ensinado por meio de uma mera modelagem”.

Pesado, né?!

A questão é que todo e qualquer comportamento complexo que vemos hoje passou por uma extensa história de alteração em unidades mais simples. Mas, nós só vemos o resultado. Isso cria uma confusão enorme que pode, para os desavisados, nos afastar da busca por processos mais simples e nos aproximar da tentativa de explicações complexas e cheias de voltas.



Para que você conheça um pouco sobre o estudo, eu fiz um resumão do que aconteu no restante desse texto. Veja só:

O estudo conduzido por Iversen e Matsuzawa (1996) investigou a possibilidade de ensinar chimpanzés a desenhar de maneira visualmente guiada — isto é, realizar traços dirigidos por estímulos visuais, e não apenas produzir movimentos aleatórios. O objetivo era compreender como repertórios motores mais complexos poderiam ser construídos a partir da combinação de unidades comportamentais simples, utilizando procedimentos sistemáticos de ensino e controle de estímulos.

As participantes da pesquisa foram treinadas com um sistema de pintura digital. Ao tocar uma tela sensível, gerava-se um traço visual — como se estivessem desenhando com o dedo. O ensino começou com tarefas básicas: os sujeitos eram expostos a conjuntos de círculos não sobrepostos, que deviam ser tocados um a um em sequência. Inicialmente, os círculos estavam afastados, e cada toque exigia que o indivíduo levantasse o dedo antes de ir ao próximo ponto. Com o tempo, o número de círculos foi aumentado, a distância entre eles foi reduzida e eles passaram a se sobrepor, favorecendo o surgimento de movimentos mais contínuos, em que os sujeitos passaram a "varrer" a tela sem levantar o dedo.

Essa progressão foi organizada com base em um delineamento de mudança de critério. Esse tipo de delineamento experimental envolve a definição de metas sucessivas para uma dimensão do comportamento — como topografia, duração ou precisão — de modo que o comportamento é reforçado apenas quando atinge o critério estabelecido para aquela fase do ensino. No caso deste estudo, cada etapa representava um novo critério: inicialmente, bastava tocar os círculos separadamente na ordem correta; em seguida, exigia-se maior fluidez; mais adiante, o reforço passou a depender da realização de traços contínuos, conectando dois pontos com precisão em diferentes ângulos e distâncias.

Além da exigência de maior coordenação motora, as condições de reforço também passaram a incluir variáveis como a direção do traço, sua linearidade e o comprimento do percurso. Isso garantiu que o comportamento fosse sendo moldado de forma gradual e sistemática, respeitando a variabilidade natural do repertório inicial de cada participante.

O estudo mostra como repertórios complexos podem ser construídos a partir de discriminações simples, desde que o ensino seja cuidadosamente planejado, os critérios de desempenho estejam bem definidos e os avanços se deem de forma gradual. A progressão sistemática — da simples sequência de toques à produção de linhas dirigidas por estímulos — evidencia que comportamentos aparentemente ausentes podem emergir a partir da reorganização do repertório sob controle de contingências específicas.

Essas observações reforçam uma noção fundamental da Análise do Comportamento: comportamentos considerados complexos muitas vezes resultam da combinação e refinamento de componentes simples, que podem ser ensinados em etapas progressivas e sob controle de estímulos adequados. A identificação de padrões, a definição de critérios e o uso de delineamentos experimentais como o de mudança de critério são ferramentas essenciais nesse processo de construção comportamental.



E sabe o motivo pelo qual ou consegui analisar esse texto e fazer pontes com o comportamento das pessoas do nosso dia a dia? Eu conheço bem os delineamentos experimentais. Inclusive, o tipo de delineamento utilizado nesse artigo, é um dos temas da disciplina de Delineamentos Experimentais na Especialização em Análise do Comportamento Aplicada (ABA) ao TEA e aos Transtornos do Desenvolvimento.

Saber sobre delineamentos é mais do que fazer pesquisa, é conseguir olhar para o mundo de uma forma sistematizada, planejar adequadamente intervenções e ser inventivo para melhorar a vida das pessoas!



Dr. André Connor de Méo Luiz - PDI Continuum



Referência do estudo: Iversen, I. H., & Matsuzawa, T. (1996). Visually guided drawing in the chimpanzee (Pan troglodytes). Japanese Psychological Research, 38(3), 126–135. https://doi.org/10.1111/j.1468-5884.1996.tb00017.x

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