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A esteira da eficiência infinita
Ferramentas de inteligência artificial, aplicativos de gerenciamento de tarefas, agendas integradas, assistentes virtuais — tudo isso surgiu com a promessa de facilitar o cotidiano, automatizar o que era repetitivo, acelerar processos que tomavam muito tempo e, principalmente, libertar as pessoas para o que realmente importa. A ideia era simples e sedutora: se as máquinas fazem mais rápido, sobrará mais tempo para viver melhor. Mas será que é isso que está acontecendo?
O que eu tenho observado em relação ao comportamento dos meus clientes na clínica psicológica é um fenômeno curioso: quanto mais ferramentas para “ganhar tempo” surgem, mais atividades as pessoas encaixam nesse tempo que sobra. É como se a recompensa pela produtividade fosse… mais produtividade. E não, isso não é só uma metáfora.
Ao conseguir responder 10 e-mails em 5 minutos com auxílio de IA, ou automatizar uma tarefa que antes levava uma hora, abre-se um “espaço” na agenda. Só que esse espaço não é usado, necessariamente, para descanso, lazer, contato social ou pausa. Na maior parte das vezes, é ocupado por mais tarefas. Um novo projeto. Uma outra responsabilidade. Mais uma meta.
Assim, cria-se uma esteira infinita de demandas: quanto mais se acelera, mais se corre. E quanto mais se corre, mais parece que se está ficando para trás. Esse ciclo, que à primeira vista pode parecer apenas uma questão de má gestão de tempo, tem repercussões importantes para a saúde psicológica.
Eu te digo que isso vai dar M...
Uma vida marcada por atividades ininterruptas, prazos apertados e sensação de urgência constante gera uma série de efeitos comportamentais e emocionais que já são bem conhecidos: sobrecarga cognitiva, estresse agudo e crônico, medo de são produzir o suficiente (pra você mesmo ou para os outros) e, muito provavelmente, procrastinação por não aguentar mais entrar em contato com aquilo que precisa, de fato, ser feito.
Mas... dá pra fazer alguma coisa sobre isso e a saída não envolve rejeitar a tecnologia, mas sim _reeducar_a forma como interagimos com ela. Aqui vão algumas dicas:
Agende pausas como se fossem compromissos inadiáveis
Não se trata de "encaixar uma pausa quando der", mas de tratá-la como um compromisso que tem a mesma importância de uma reunião. A pausa não é a ausência de produtividade — ela é parte do processo produtivo saudável.
Observe suas regras pessoais sobre produtividade
Frases como “não posso parar”, “se eu descansar, fico para trás” ou “pausa é preguiça” são exemplos de regras verbais que controlam o comportamento. Avalie se essas regras são coerentes com seus valores e seus limites reais — e se estão te levando a um funcionamento sustentável ou ao esgotamento.
Aumente o contato com reforçadores não-produtivos
Reserve tempo para atividades que não tenham um objetivo de desempenho. Arte, esporte, conversa fiada, contemplação. Atividades que não “levam a lugar nenhum”, mas que nutrem o comportamento e a saúde emocional.
Use a tecnologia como aliada do descanso, não só da eficiência
A mesma IA que te ajuda a planejar o dia pode ser programada para sinalizar pausas, lembrar de beber água ou sugerir um horário para encerrar as atividades. O problema não está na ferramenta, mas na função que ela ocupa na rotina.
Monitore sinais de alerta
Sensações como irritação constante, dificuldade de dormir, perda de interesse por atividades que antes eram prazerosas, sensação de incompetência constante ou vontade de “desligar de tudo” não devem ser ignoradas. São sinais de que o organismo está em sobrecarga.
Todo mundo sabe que a tecnologia nos oferece muitas possibilidades. Mas se queremos que ela nos dê mais tempo para viver — e não apenas mais formas de trabalhar — precisamos deliberadamente usar esse tempo com consciência. Isso envolve, muitas vezes, remar contra uma cultura que valoriza o “fazer sempre mais”, e cultivar uma ética do cuidado de si. Afinal, nem sempre o que é rápido é leve. E nem tudo o que é eficiente é saudável.
Dr. André Connor de Méo Luiz - PDI Instituto Continuum