COMPREENDENDO AS EMOÇÕES A PARTIR DA TERAPIA COMPORTAMENTAL DIALÉTICA 24/02/2024 Psicologia e Análise do Comportamento COMPREENDENDO AS EMOÇÕES A PARTIR DA TERAPIA COMPORTAMENTAL DIALÉTICA Compartilhar:

Grande parte da Terapia Comportamental Dialética (DBT) concentra-se na ampliação da regulação emocional dos indivíduos, bem como na redução de comportamentos associados à desregulação emocional.

O próprio "Foco nas Emoções" representa um dos critérios utilizados para avaliar a aderência da sessão de psicoterapia individual à DBT, conforme estabelecido na lista de verificação de adesão para a terapia individual (Harned, Schmidt, & Korslund, 2021). 

A teoria biossocial desenvolvida por Marsha Linehan aborda aspectos relacionados ao desenvolvimento de uma desregulação emocional pervasiva, enfatizando que o Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) é, essencialmente, um distúrbio do sistema de regulação emocional construído a partir de uma complexa interação entre um ambiente invalidante e uma vulnerabilidade biológica (Linehan, 1993). Assim, as emoções emergem como elementos centrais nos problemas enfrentados pelos pacientes ao longo do tratamento.

No Manual de Treinamento de Habilidades, encontra-se uma ficha específica denominada "Modelo para Descrever as Emoções"[1], que tem como objetivo proporcionar uma compreensão de como a DBT aborda e descreve o sistema emocional. Para simplificar esse processo, propõe-se a análise sequencial dos seguintes componentes em uma resposta emocional: Fatores de Vulnerabilidade, Evento Desencadeante, Atenção ou Consciência, Interpretações sobre esse evento, Mudanças Fisiológicas, Expressões, Experiências, Ações e Pós-efeitos.

Os Fatores de Vulnerabilidade referem-se a condições ou eventos que aumentam a sensibilidade da pessoa ao evento desencadeante, tornando mais provável a ocorrência da resposta emocional.

O Evento Desencadeante, também conhecido como gatilho, são eventos ou pistas que precedem a ativação das emoções, podendo ser internos ou externos.

A Atenção ou Consciência destaca a necessidade de o evento capturar pelo menos parte da atenção do indivíduo para desencadear uma emoção.

As Interpretações constituem o componente cognitivo da resposta emocional, envolvendo pensamentos, crenças e suposições relacionadas ao evento.

As Mudanças Fisiológicas englobam as reações internas, como circuitos cerebrais, neurotransmissores e sistema nervoso simpático, desencadeadas pela ativação emocional.

As Experiências representam a percepção das sensações vinculadas a essas mudanças biológicas, incluindo sentimentos e impulsos de ação.

As Expressões estão relacionadas à comunicação de que uma resposta emocional está ocorrendo, podendo manifestar-se por meio de expressão facial, linguagem corporal, entre outros.

As Ações referem-se aos comportamentos que surgem como preparação do corpo para a ação diante da ativação emocional.

Os Pós-efeitos abrangem diversas consequências emocionais, com destaque para a possibilidade do processo emocional se consolidar em um ciclo, e menciona-se, a título de exemplo, a hipervigilância e o estreitamento da atenção.

Compreendendo esses componentes em uma resposta emocional, é possível ilustrar esses conceitos por meio de um exemplo fictício. Carlos, sob privação de sono devido à doença de sua filha, enfrenta um dia no trabalho em que se sente desgastado e pouco valorizado (Fatores de Vulnerabilidade). Seu chefe solicita um relatório extenso com urgência (Evento Desencadeante), levando Carlos a interpretar isso como injusto (Interpretações). Essa interpretação desencadeia uma série de mudanças fisiológicas, expressas por seu coração acelerado, rosto vermelho e respiração intensificada (Mudanças biológicas). Suas mãos se cerram, seus movimentos tornam-se bruscos, e ele sente vontade de reagir de maneira agressiva (Expressões e Experiências). Contudo, opta por responder em um tom elevado, comprometendo-se a realizar a tarefa (Ação), enquanto seus pensamentos se concentram em sentimentos de injustiça e frustração (Pós-efeitos).

Nesse exemplo, observam-se os componentes mencionados anteriormente. Os fatores de vulnerabilidade, representados pela privação de sono e pelas frustrações no trabalho, tornam Carlos mais sensível ao pedido do chefe, que atua como o evento desencadeante. A atenção direcionada ao pedido, as mudanças fisiológicas e as alterações na linguagem corporal constituem experiências emocionais. A atenção persistente em pensamentos intensificadores após o evento configura-se como um pós-efeito.

A partir dessa perspectiva pode-se pensar em como construir intervenções efetivas, uma vez que a maior parte dos pacientes quando procuram atendimentos psicoterápicos têm dificuldades para reconhecer, descrever e correlacionar o que estão sentindo, assim como as suas ações diante dessas emoções. Isso é possível, pois essa visão desse modelo também elucida a possibilidade de alteração das emoções a partir de alterações em quaisquer componentes referente a elas. Então, pode-se pensar em como intervir nos fatores de vulnerabilidade, ou também nas alterações biológicas do corpo e isso gerar um processo emocional distinto do citado no exemplo. Imagine que Carlos ao ouvir o pedido de seu chefe utilize da respiração compassada - habilidade utilizada na DBT que busca diminuir a intensidade dos componentes fisiológicos ligados a ativação da emoção - e isso permite que ele possa responder ao chefe com um tom de voz mais ameno. Pode-se pensar também em estratégias relacionadas aos fatores de vulnerabilidade, talvez Carlos comece a pedir ajuda para alguém ficar com a sua filha durante a noite e assim, ele possa ir ao trabalho sem a privação de sono. Qualquer uma dessas possibilidades tem alta probabilidade de alterar o processo emocional como um todo.

Essa é a grande questão que envolve o foco nas emoções, compreender como elas se dão em específico no seu cliente e qual a forma mais efetiva de intervir, quando necessário. Por intervenção pensa-se em estratégias que podem ser ensinadas ou aprimoradas a fim de se obter um resultado diferente e mais direcionados aos valores de seu cliente. Dentro da DBT são inúmeras as estratégias desenvolvidas para se realizar intervenção em todos os componentes descritos.

Diante da análise detalhada dos componentes do Modelo para Descrever as Emoções na Terapia Comportamental Dialética (DBT), torna-se evidente que a compreensão desses elementos oferece uma visão abrangente do processo emocional. O exemplo fictício de Carlos ilustra vividamente como os fatores de vulnerabilidade, eventos desencadeantes, interpretações, mudanças fisiológicas, expressões, experiências, ações e pós-efeitos interagem para moldar uma resposta emocional complexa.

A significativa contribuição da DBT reside não apenas na identificação desses componentes, mas também na possibilidade de intervenção direcionada. A capacidade de modificar os fatores de vulnerabilidade, influenciar interpretações, gerenciar mudanças fisiológicas e direcionar ações oferece uma abordagem abrangente para promover a regulação emocional.

Ao reconhecer que as emoções são maleáveis e suscetíveis a mudanças em qualquer ponto desse processo, a terapia possibilita estratégias específicas para adaptar e redirecionar as respostas emocionais dos indivíduos. Essa perspectiva amplia o alcance da intervenção terapêutica, permitindo uma abordagem personalizada e focada nas necessidades e valores de cada cliente.


Autor: Vitor Hugo Gomes Soares

REFERÊNCIAS

Linehan, M. M. (1993). Cognitive-Behavioral Treatment of Borderline Personality Disorder. New York: Guilford Press.

Linehan, M. M. (2015). DBT® skills training manual (2nd ed.). Guilford Press.

Harned, M. S., Schmidt, S. C., & Korslund, K. E. (2021). The Dialectical Behavior Therapy Adherence Checklist for Individual Therapy (DBT AC-I). https://www.dbtadherence.com/

[1] Para um aprofundamento do modelo ler página 213 do Manual de Treinamento de Habilidades em DBT: Paciente.