Cliente ficou quieto, o que eu faço? 08/03/2024 Psicologia e Análise do Comportamento Cliente ficou quieto, o que eu faço? Compartilhar:

E lá está você, em sua primeira sessão de terapia. Mas, aqui, você não é o cliente, você é a terapeuta.

Alguns (vários) minutos antes do horário de atendimento, você vai até a sua sala, organiza tudo, separa sua melhor caneta, uma bela agenda ou prancheta, folhas para anotação e até dá uma limpada na sala. Depois disso, você se senta em sua cadeira, respira fundo e imagina como será seu primeiro atendimento.

Logo em seguida, bate uma sensação de medo e uma frase vem em sua mente: “e se ele não falar nada?”. Seu coração começa a bater mais rápido e, por mais que você saiba que isso pode facilmente acontecer, você fica insegura.

De fato, o primeiro encontro entre terapeuta e cliente acaba sendo quase que uma condição 50/50 para o silêncio ou para a fala constante. Contudo, a fala constante parece não nos incomodar tanto, não é?! Já o silêncio do outro parece nos colocar em um situação de dever. Sentimos que temos que fazer alguma coisa, sentimos que nossa própria habilidade profissional pode ser colocada em jogo.

O silêncio faz parte das interações humanas e devemos tratá-lo com naturalidade. Isso não quer dizer que devemos deixá-lo de lado, mas sim que devemos nos preparar conscientemente para a sua ocorrência.

É comum tentarmos evitar nossos pensamentos quando imaginamos que o cliente pode ficar quieto. Evitar não nos ajuda em muita coisa. Talvez, a estratégia preparatória mais útil seja amplificar esse pensamento: “e se ele ficar quieto… o que eu farei?”. Assim, você pode tentar criar mentalmente uma série de condições, se imaginando em cada uma delas, e buscar possívei alternativas para isso. Ao fazer isso, você tem a possibilidade de criar algumas regras que podem facilitar a sua vida na hora do silêncio, aumentando as chances de que você fique mais atento ao que pode ser feito do que somente ao que você está sentindo quando o cliente para de falar.

Obviamente, essas regras não podem ser rígidas demais a ponto de você não ficar atento às possíveis pistas contextuais que ajudam a entender o silêncio do cliente. Mas… me parece que é melhor estar preparado do que à mercê de sentimentos ruins. Não é?!

Você deve lembrar, também, que o sliêncio pode ocorrer por inúmeros motivos. Alguns deles são: vergonha, dificuldade para organizar a fala, falta de confiança inicial na profissional e até mesmo uma evitação para entrar em assuntos complicados ou dolorosos. Dentre esses motivos, podemos separar aqueles em que temos controle e aqueles em que não temos muito o que fazer em um primeiro encontro.

No caso da vergonha, não há muito o que fazer além de tentar deixar a pessoa o mais confortável possível. Você pode, por exemplo, quebrar o gelo do silêncio mostrando que ele é algo natural: “Como falar sobre si mesmo é esquisito, né?! As vezes faltam palavras. Então, eu vou fazer algumas perguntas aqui e a gente vai caminhando com elas, combinado?”. Dessa forma, você mostra para o cliente que é possível sentir vergonha, que falar sobre si pode ser complicado e que você não pensa algo ruim disso.

No caso da dificuldade para organizar a fala, você pode utilizar algumas perguntas um poquinho mais fechadas no início e fazer comentários sobre as respsotas, mesmo que elas sejam curtas. Ao passar do tempo, essas perguntas podem se tornar mais e mais abertas de modo que você vá criando condições favoráveis para falas mais duradouras. Imagine que falar de si é um comportamento. Enquanto terapeuta, você pode criar um planejamento de condições para que esse comportamento seja modelado ao longo do tempo.

O caso da falta de confinaça inicial na profissional, é algo que não está muito sob nosso controle. A única coisa que você tem para fazer é seguir o seu plano. Ainda assim, uma breve apresentação pessoal no início da sessão, o uso de roupas mais profissionais* e o uso de um tom de fala mais confiante pode te ajudar bastante. Quando o cliente ficar quieto, você pode voltar para seu bom e velho planejamento de sessão e suas perguntas exploratórias. Isso poderá mostrar que você sabe como “caminhar”.

Quando você percebe que o cliente fica em silêncio somente quando você fala sobre um assunto específico, é possível que ele esteja evitando falar sobre esse assunto. No começo de seu contato com o cliente, pode ser inteligente respeitar esse espaço e fazer outras perguntas que te ajudem a entender outros aspectos da vida dele e/ou contextos associados ao assunto, mas de maneira não tão direta. Ao passar do tempo - em outras sessões, com um vínculo inicial já formado - você pode (e deve) sinalizar isso ao seu cliente. Dizer para ele que toda vez que chegam próximo ao assunto ele fica quieto e dizer que falar sobre isso é importante pode ser essencial para o cliente perceber que ele faz isso, que você está atenta a isso e que tem respeitado esse silêncio até onde deu para respeitar. Você também pode dizer que imagina como falar disso é difícil e que, por isso, entende o silêncio. Isso poderá te ajudar a indicar ao cliente que você o ouvirá de forma empática.

Claro, também podemos colocar a postura profissional como uma possível causa desse silêncio. Se você não fizer uma apresentação adequada, se não criar condições ambientais para o cliente se sentir confortável, se for séria ou efusiva demais, isso pode impactar em como cliente vai reagir. Portanto, o segredo nesse caso é moderação.

Por fim, você deve entender que todos nós, terapeutas experientes ou iniciantes, estamos sujeitos a ter que lidar com o silêncio do cliente. Esse silêncio pode acontecer por diferentes motivos. Se preparar mentalmente para essas condições, desenvolver habilidades terapeuticas e estar atento ao que acontece na relação terapeuta-cliente é o que vai te ajudar a lidar com esse silêncio da forma mais parcimoniosa possível.

Então, você pode até ter medo do silêncio, mas não precisa sofrer por isso. Me baseando um pouco na fala de Hayes, eu poderia dzer que, nesse caso, o medo é inevitável, já o sofrimento é opcional. As dicas que nós demos aqui podem te ajudar a dar o primeiro passo para aceitar seu medo e pensar em estratégias para não entrar em sofrimento com a possibilidade do silêncio.


Dr. André Connor de Méo Luiz

Coordenador Acadêmico - Instituto Continuum